Existe alguma forma de reter a energia, o foco e o zelo dos Zelotes sem a violência? A evidência está nesta primeira comunidade cristã que estava aprendendo a seguir a Jesus numa cultura de violência (não diferente de nossa cultura de violência) sem se tornar violenta. Mas também sem ser intimidada ou silenciada pela violência. Poderiam ter-se segregado em guetos seguros, mas não foi o que fizeram. Permaneceram públicos, tão públicos quanto os Zelotes. Mas, diferentemente dos Zelotes, nunca foram violentos.
Há uma
palavra importante que consegue transmitir como é, e em que consiste
o fervor sem violência. A palavra é
homothumadon. Algumas palavras resistem à tradução. Não traduzimos "Amém". Não traduzimos "Aleluia". Não traduzimos "Hosana". Essas palavras acumulam camadas de significados através dos séculos e irradiam ricas associações e conexões. Quando as traduzimos, perdem a força completamente.
Homothumadon é uma dessas palavras. Que pena que não foi incluídas na lista de "intraduzíveis". Precisamos tentar o nosso melhor, e para isso, precisamos dissecar a palavra e depois agrupá-la de novo. A palavra é usada 12 vezes por
Lucas ao narrar a história da comunidade da ressurreição em Atos dos Apóstolos, e uma vez por Paulo em Romanos. É normalmente traduzida por "concordando", ou "com um só coração", ou simplesmente "juntos".
- Quando os 120 estavam reunidos no cenáculo, orando e esperando pelo dom do Espírito Santo, estavam homothumadon ("unânimes"; Atos 1:14).
- Depois daquela grande reunião de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu sobre eles, continuaram diariamente homothumadon ("juntos"), no templo, orando e partindo o pão em suas casas (Atos 2:46).
- Depois que Pedro e João foram soltos da prisão por um anjo e deram seu relatório aos amigos, "todos levantaram homothumadon [juntos] a voz a Deus" e oraram (Atos 4:24).
- No meio dos sinais e maravilhas daqueles primeiros dias, eles estavam homothumadon (reunidos) no Pórtico de Salomão, à medida que as pessoas as traziam, seus amigos e membros da família que estavam enfermos para ser curados (Atos 5:12).
- Quando Filipe entrou em Samaria com uma missão de proclamação, "...a multidão ouviu Filipe [...] deu homothumadon ["unânime"] atenção ao que ele dizia. Assim houve grande alegria naquela cidade" (Atos 8:6,8).
- No Concílio de Jerusalém, à medida que os Apóstolos elaboravam com muito esforço a política que manteria unidos os convertidos judeus e gentios, eles enviaram os resultados de seu trabalho a Antioquia, dizendo "homothumadon ["concordamos todos"]" (Atos 15:25).
- Paulo fornece a última ocorrência da palavra no Novo Testamento, perto do fim de sua grande carta aos Romanos, orando "para que homothumadon [um só coração e uma só voz] vocês glorifiquem o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 15:6).
Fico imaginando quem teria usado a palavra primeiro. Lucas ou Paulo, companheiro nas viagens missionárias. Quem foi o primeiro a sugerir o advérbio polissílabo e cadenciado que marcou a maneira em que nossos primeiros antepassados responderam ao que Deus estava fazendo e em relação a isso se mantiveram presentes, totalmente empenhados, mas sem um vestígio sequer da violência?

"
Com um só coração", "
com uma só voz", "
juntos" ou "
concordando" parecem todos muito fracos para mim.
Homothumadon é uma palavra composta:
homo significa "o mesmo";
thumas significa uma forte comoção ou raiva; e a última sílaba,
don, sinaliza que a palavra é um advérbio. É o componente do meio, que é intraduzível.
Thumas é uma palavra inflamável, pulsando com energia: perder as estribeiras, perder a paciência, atacar violentamente. Mas, no contexto da comunidade da ressurreição, não há nada de negativo nela, nenhuma maldade, nenhuma violência. Como conseguimos essa intensidade, esse fogo, essa energia focada e controlada numa única palavra portuguesa que seja energética em amor, em paz e em agradável comunidade? Não consigo encontrar uma que seja. É por isso que só querer dizer
homothumadon.
Havia algo em chamas no interior daqueles seguidores de Jesus, que unia com a mesma mente e espírito, algo semelhante à energia da raiva, mas sem a raiva. Algo tão inflamável quanto os Zelotes, mas sem a violência Zelote.
Normalmente, quando falamos de unanimidade, estamos nos referindo ao que se passa em uma reunião, bem tarde da noite, quando metade das pessoas já foi para casa, e o restante ficou exausto e "pescando" com a cabeça; e esse movimento para cima e para baixo do pescoço é interpretado como concordância, e assim contabilizamos um voto de unanimidade. isso não é homothumadon. Homothumadon tem fogo em si. É a paixão de uma resposta consensual, unânime a algo que Deus faz. Não a criamos. Sempre depende de algo que Deus acabou de fazer, ou está para fazer, ou de que estamos participando. Não é algo que façamos acontecer arbitrando ou resolvendo conflitos. É fogo. E marca a igreja à medida que é formada pelo Espírito Santo.
O aspecto inconfundível da vida primitiva é que estavam seguindo o Jesus ressurreto, com a forte percepção de que algo tinha acontecido em algum lugar que agora estava em atuação aqui entre eles. O Espírito Santo fez algo em Jesus e depois o fez neles. A ação primordial acontece em Jesus e, somente depois, em nós. Está além de nós, mas depois nos alcança. Estamos seguindo, crendo e adorando - e depois, aí está:
homothumadon.
Isso não é improvisar um entusiasmo por Jesus. Não é argumentar com as pessoas, persuadindo-as para que cheguem a um acordo. Não é administrar vários interesses próprios num plano ou programa viável. Não é algo arquitetado por nós.
Mas deve ser reconhecido por nós. A convicção por trás da possilibidade desse homothumadon singularmente cristão é que o Jesus ressurreto ainda está fazendo o que sempre fez, e o está fazendo em nosso mundo, em nossa vizinhança.
A dificuldade de experimentar homothumadon é que normalmente não estamos prestando nenhuma atenção ao Jesus ressurreto, ou não sabemos o que procurar, ou estamos impacientes com a espera, ou estamos distraídos por acontecimentos ou circuntâncias mais facinantes e glamorosas que prometem atalhos.
Eugene H. Peterson
O caminho de Jesus e os atalhos da igreja
Editora Mundo Cristão
Capítulo 10
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