O país está em guerra contra extremistas muçulmanos e ainda enfrenta uma fome sem precedentes. Segundo agências de ajuda humanitária, já morreram dezenas de milhares desde o ano passado e podem morrer mais 10.000 até o fim deste mês.
Que nossos corações possam ser cheios da mesma compaixão que certamente inunda o coração de Deus. Que isso nos leve a dobrar os nossos joelhos e clamar pela misericórdia de Deus para esse povo...
Vítimas da fome, crianças refugiadas na Somália não têm força nem para choro
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A MOGADÍCIO (SOMÁLIA)
Apesar do estado agudo de desnutrição de milhares de pessoas precariamente acampadas em tendas feitas com galhos de árvores, o instinto infantil mais básico parece ter sido derrotado.
Mulher segura criança com desnutrição no Hospital Benadir, em Mogadício, na Somália |
O silêncio dos refugiados é produto da debilidade física, mas também da impotência diante de um desastre natural agravado por duas décadas de guerra civil na Somália e pelo atraso das agências internacionais em reagir.
Vivendo a pior seca em 60 anos, a região conhecida como "Chifre da África" fez ressurgir as imagens das crianças etíopes esqueléticas que comoveram o mundo no meio da década de 1980.
Mergulhada em caos e dividida entre um governo inoperante e o fanatismo da milícia islâmica Shabab, a Somália é o testemunho mais eloqüente de uma combinação mortal: tragédia climática, escalada nos preços de alimentos e conflito armado.
Grande parte do território do país é controlado pela milícia islâmica, que dificulta o deslocamento
populacional e impede a chegada de assistência humanitária, alegando que as organizações ocidentais são "antiislâmicas".
Somente nos últimos três anos, foram assassinados 14 funcionários do PMA (Programa Mundial de Alimentação), principal fornecedor de ajuda alimentar na região.
Reféns da insana disputa armada que rachou o país e do temor da comunidade internacional em atuar num território sem lei, a população é presa fácil da seca.
Os rostos da fome na África, estampados em jornais do mundo inteiro, contam apenas parte da história. Em muitos casos, o fim. Iman Abdi Noono, 60, caminhou com a família durante dez dias até Mogadício para escapar da seca que aniquilou o rebanho de 30 vacas e 60 ovelhas que garantiam sua subsistência no distrito de Bu"ale (sul).
Para driblar os achaques do Shabab, que controla a região sul, a mais atingida pela seca, Iman foi obrigado a fazer uma rota alternativa. O desvio prolongou a caminhada e o sofrimento.
Agachado dentro de uma barraca no campo de refugiados, ele conta que viu seis de seus nove filhos morrer de fome no caminho.
"Carreguei o último nas costas e achei que iria salvá-lo. Mas ele morreu pouco depois de chegarmos a Mogadício", lamenta, em voz baixa.
Cidade de Mogadicio, capital da Somália. |
As tradicionais vestes islâmicas em tons fortes de amarelo, verde, vermelho e outras cores berrantes, contrastam com o semblante soturno das mulheres somalis.
De acordo com o PMA, 200 mil somalis chegaram à capital nos últimos dois meses fugindo da seca. Em sua maioria gente simples, que perdeu o pouco que tinha e ainda teve que deixar para trás parte da família.
Fatma Maha, 32, que aparenta ter pelo menos dez anos a mais, tinha chegado no mesmo dia a Mogadício. Com uma bacia de metal na mão, esperava na fila para receber um punhado de arroz que mal daria para alimentar os quatro filhos que conseguiu levar à capital.
"Deixei os dois mais velhos para trás com meu marido, porque não tive dinheiro para pagar a viagem de caminhão", diz Fatma, explicando que o motorista cobrou algo em torno de R$ 0,15 por passageiro. "Foi muito difícil, mas precisava salvar os mais novos".
Tragédia anunciada
Nas últimas três semanas, as estradas esburacadas de Mogadício passaram a ser rota do tráfego intenso de caminhões com comida e medicamentos destinados a aplacar a crise.
Embora os sinais de um desastre iminente na Somália terem começado a ser emitidos em novembro pelo sistema de alerta contra a fome do governo americano (FEWS NET), a ONU só declarou estado de emergência na região no início de julho.
A demora foi fatal para dezenas de milhares de crianças e adultos que o PMA estima terem morrido na Somália em conseqüência da seca nos últimos três meses. Segundo a agência, mais 10 mil poderão morrer no sul do país até o fim do mês.
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